domingo, 14 de março de 2010

Sherlock Holmes e as artes marciais

Todo mundo anda falando de Avatar, e Sherlock Holmes, uma joia de filme, acaba passando quase despercebido, o que é uma pena. O que eu queria comentar a respeito é uma certa dissonância que tenho visto nas (poucas) resenhas do filme que encontrei na imprensa, e que se referem ao filme como uma espécie de "releitura" do personagem, como se Holmes tivesse sido recriado como "super-herói" ou "herói de ação".


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Dissonância que mostra que os críticos talvez estejam familiarizados com os filmes anteriores do grande detetive, mas certamente não com os livros.



Porque o personagem de Conan Doyle era, afinal, um herói de ação: em O Signo dos Quatro, por exemplo, Holmes não só protagoniza uma excitante perseguição de lancha pelo Tâmisa à noite, como ainda é reconhecido por um ex-pugilista profissional, que se lembra de ter sido nocauteado por ele numa luta.

Além disso, em A Aventura da Casa Vazia, o detetive revela ser um mestre de "baritsu", uma arte marcial japonesa cujo correspondente no mundo real é um certo mistério -- a palavra parece ter sido cunhada por Conan Doyle ou a partir de "bartitsu" -- uma versão de jiu-jitsu introduzida na Inglaterra em 1899 por um sujeito chamado Barton-Wright ("Barton"... "bartitsu"... sacou?) -- ou de bujitsu, um termo genérico para artes marciais.

Holmes também é descrito por Watson como um exímio lutador com bastão, uma habilidade que salva a vida do detetive quando um bando de malandros de rua tenta atacá-lo em O Cliente Ilustre.

Além disso, é importante lembrar que o detetive, após travar luta corporal com o professor Moriarty em O Problema Final, escala as escarpas suíças com as mãos nuas, e se envolve numa peregrinação que o leva ao Tibete.

No cinema, no entanto, o personagem sempre havia sido interpretado por atores mais velhos -- como Peter Cushing -- e as limitações de orçamento e efeitos especiais impediam que esse lado de Holmes florescesse nas telas.



Ah, sim: o Sherlock do novo filme não "aposentou" a capa e xadrez e o chapéu de caçador: ele simplesmente nunca os usou (i.e., nunca foi descrito por Conan Doyle envergando esse tipo de traje). A capa inverness e o chapéu deerstalker são adições feitas pelo ilustrador original das histórias, Sidney Paget.

Por fim, Watson: ao contrário dos retratos cinematográficos anteriores, o doutor John H. Watson dos livros nunca foi um velhote paspalho. Ele entra na vida de Holmes ainda relativamente jovem, recém-dispensado do exército por ter se ferido na guerra. É não só um soldado treinado e homem de ação, como faz sucesso com as mulheres (Jude Law está bem no personagem quanto a isso!) e gosta de apostar em cavalos. Como no filme.

O filme em si trapaceia um bocado com o espectador -- não é um mistério "fair play", daqueles em que todas as pistas estão ao alcance do leitor/espectador mais atento -- mas o enredo tem coerência, o que é mais do que se pode dizer de muito blockbuster por aí.

Enfim: foi necessário esperar que se passasse uma década inteira do século 21 para que o herói mais emblemático do 19 aparecesse por inteiro na tela.

Cretinas
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