terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O velho e o conselho


"Jovens, envelheçam." (Nelson Rodrigues)
O Sr. Leopoldo costumava a achar seu nome bem pomposo, com o 'p' forte bem no meio. Hoje é só um nome. Até apelido - fato antes do mais inaceitável - ganhou de sua nova namorada: Peixinho. Veio de Leopoldinho, que virou Leopouquinho - porque os encontros iniciais eram bem rápidos - , que virou Leopeixinho e tá aí, acabou como Peixinho. O Sr. Leopoldo vive o ápice dos seus setenta e dois anos.

Veio de São João da Boa Vista, ou do "Bom Zóio", como ele já tanto repetiu, ainda bem moço, e era sua tarefa ajudar o pai a cuidar da mãe e das duas irmãs mais velhas. Uma, a mais moça, voltou fugida pro Bom Zóio pra casar, e não se sabe mais nada dessa. A outra faleceu há três anos, de enfisema. Fumava quatro maços e meio por dia.

Acabou cuidando foi do pai, que pegara uma tuberculose. Foram dois anos dessa lida de tratar das dores e dos catarros do pai, já que a mãe foi atrás da irmã mais velha, a mais moça das duas (a mãe voltou sem a irmã e ele nunca fez uma pergunta sequer sobre o acontecido).

O Sr. Leopoldo conseguiu trabalho numa fábrica de têxtil e passou trinta e poucos anos da vida por lá, se aposentando com honras, mas glória mesmo não viu alguma. Virou daqueles velhos sem propósito, com hora de sobra pra gastar, mas sem ter no que gastar. Acordava cedo, bem cedo, pra aproveitar nada.

Dava comida pro azulão na gaiola e só. Desistiu de dar voltas no parque com "aqueles gagás metidos a atleta", como ele mesmo ressaltava, parou de ir aos competitivos lances de dominó na praça e nunca nem cogitou a gafieira. "Deus-que-me-livre", desconjurava.

Ah, mas na patuscada da vida, justo a Justina passou no caminho do velho Leopoldo. Literalmente.
Lá ia ele de quando em vez visitar um amigo do peito que morava na Lapa. E tinha que ser amigo bem querido mesmo pra fazer o Sr. Leopoldo sair da Mooca e pegar o metrô até a Barra Funda. Ia reclamando o caminho todo da linha vermelha do metrô. Buzinava no ouvido alheio sobre o vento fraco, balbuciou algo por conta da porta que demorava a fechar (isso cinco minutos depois de praguejar a mesma porta que fechou rápido demais quando ele estava entrando).

E foi nesses instantes de cólera senil que a dona Justina apareceu, bela e velha. Tropeçou no pé do velho que manteve as pompas mesmo com a vontade de usar todos os palavrões que sua cabeça permitia lembrar.

Dona Justina sentou-se, pediu imensas desculpas e pôs-se a papear. Ganhou o Sr. Leopoldo justamente na paciência, concordando com tudo, sorrindo levemente e sem nunca tirar o olhar dos gestos esbaforidos do velho a reclamar. Dona Justina é esperta mais que você e eu. A tal da experiência de vida deve lá servir pra alguma coisa, vá.

Amigo? Que amigo? O velho Leopoldo acabou perdendo a tarde toda conversando com a dona Justina, mostrado como funcionava sua brilhante cabeça enferrujada. Explicara sobre como uma pessoa de bem deve proceder em casa e no trabalho, discorreu sobre as diversas esferas da política. Sentaram-se no terminal mesmo, de frente com os cofres de guardar bagagem.

Escureceu e ela, após agradecer a conversa, se despediu. Não sem antes dizer para o velho Leopoldo que ele devia se soltar mais “que a vida já na nossa idade é sim um grande passeio”. Chutou os valores do velho Leopoldo, cumprimentou-o serenamente e foi-se. Ele não dormiu por três noites e, na semana seguinte, pintou os cabelos que estavam brancos e foi ao baile.

Jader Pires - Crônicas e contos

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Juiz e o WhatsApp e o Uber fora do ar





Eu vejo os taxistas saindo pela rua em protesto contra o Uber. Protestos que vão além da autoridade e chegam ao extremo da violência. Com motoristas e passageiros do rival sendo espancados e seus veículos depredados. O Uber é uma empresa que emprega quem tem carro e queiram garantir uma renda transportando passageiros. Funciona assim, o motorista se cadastra no sistema, espera a aprovação e começa a trabalhar, o consumidor (passageiro) também se cadastra e todas as vezes que precisar de transporte basta avisar o sistema e o veículo mais próximo é notificado para atender esse passageiro. O motorista fica com sua porcentagem do valor tabelado cobrado pela corrida e o Uber com o restante, e de acordo com minhas pesquisas, o passageiro fica contente com a economia pois o valor pago é inferior ao montante cobrado pelos taxistas. Este é um modelo de negócio que todos saem ganhando. Por isso a aprovação foi imediata.

A muitos e muitos anos distantes ... o dono de um táxi era uma pessoa comum como eu e você. O taxista comprava seu táxi, o ponto de trabalho e sua licença e esse bem ia se perpetuando até os filhos. Dependendo de onde o ponto era localizado, como próximo ao aeroporto, dava para ganhar um bom dinheiro. Então vieram as empresas de olho nesse bom dinheiro e hoje praticamente não existe o “proprietário” de um táxi como conhecíamos. As empresas hoje são donas e os taxistas trabalham para elas. E como se ainda não bastasse tudo isso, fizeram uma lei às pressas para que o táxi não possa mais se perpetuar para os filhos. Nesta atmosfera tudo ia cada vez melhor, os empresários enchendo os bolsos de dinheiro e o consumidor sendo explorado. Mas o futuro chegou e junto com ele a tecnologia e o progresso que tirou o sono dos empresários que são donos de frota e achavam que seu modelo ultrapassado seria eterno.

E os taxistas (aqueles que trabalham com o táxi do empresário) estão seguindo a onda como paus mandados em vez de aproveitarem esta oportunidade em que o futuro vislumbra para mudarem seu modelo de negócio. Resolveram proibir o concorrente de trabalhar através de uma lei feita às pressas e também espancando quem desobedecesse essa lei. Uma lei que proíbe o uso do aplicativo Uber em São Paulo. Se hoje eu fosse taxistas já estaria com meu carro novo (hoje é bem mais fácil de comprar) e trabalhando com o Uber. E se eu fosse empresário de frota de táxi já teria aproximado meu negócio com o mesmo modelo que o Uber usa, criando assim minha própria rede online, em vez de ficar dando murro em ponta de faca. E o mesmo vale para o WhatsApp e o lema das operadoras.

O WhatsApp apareceu como um mensageiro instantâneo, além de compartilhar fotos, vídeos e áudio com gravação especialmente de voz. Recentemente ganhou recursos de ligação de voz com qualidade superior ao serviço das operadoras. Mas isso não é o medo das operadoras, e sim a aceitação em massa mais de 900 milhões de usuários. Um número razoável que se cansou da ganancia de multinacionais que prestam serviços caros e sem qualidade.

Mesmo tendo lucro com o aplicativo, pois ele ainda exige o chip da operadora e um plano de dados web como 3G ou Wi-Fi, no dia 16 de dez de 2015 valeram-se de uma ordem judicial e desativaram o WhatsApp em todo o Brasil. A ideia era que o cancelamento durasse 48 horas, mas outra ordem judicial, considerando esta ordem abusiva, fez o WhatsApp voltar em menos de 12 horas. Foi um tiro no pé.

Neste período o povo letrado e o iletrado correu atrás do prejuízo buscando alternativas, e encontraram, muitas. Foram descobertos meios que qualquer leigo poderia fazer, como usar uma VPN para enganar o celular com uma rede de outro país para assim usar o WhatsApp mesmo com o bloqueio autorizado pelo juiz. Também foram testados outros programas similares e até melhores, entre estes está o Telegram que veio a conhecimento público e alcançou fama. E depois do susto a maioria continuou usando o aplicativo substituto e não retornaram ao produto de origem.

Se houve acomodação da parte do povo também houve do WhatsApp o mensageiro instantâneo que ainda está atrelado as operadoras. E não ficaria surpreso se o próximo passo seria sair dessas amarras, descartar a necessidade de precisar de chip e internet. Pois qualquer GPS usa seu satélite e ultimamente até o Google Maps desatrelou, e por que não o WhatsApp? Seria nosso sonho e o pesadelo das operadoras.

https://www.uber.com/pt/

https://telegram.org/